terça-feira, 27 de janeiro de 2009

NOJO

Emília era gorda. E comia muito. Como toda gorda. Mas Emília tinha uma peculiar atividade cerebral que ativava o seu pâncreas e a fazia vomitar como louca apenas ao ouvir essa conjunção de palavras: bacalhau cru com mamão e queijo. Os médicos não conseguiam explicar o fato, riam-se, pronunciando em voz alta o infame código, e punha-se Emíla a jorrar suco gástrico e pedaços de lingüiça sobre o branquíssimo jaleco do descrente doutor, que trocava de imediato seu sorriso cruel por uma expressão patética de desgosto. E a pobre menina a chorar, fazendo de seu próprio rosto um horrível mosaico de sebo, lágrimas e vômito.
Ninguém sabia como haviam descoberto tal código, e na verdade ninguém se importava. A história se espalhara na cidade como fumaça no ar, e vinha com o fétido bafo das velhas ociosas e dos bêbados inúteis.
E de repente todos, sem exceção, faziam a vil questão de testá-lo na frente da gordinha sardenta, torturada todos os dias, em casa, na rua, no supermercado, no fliperama, por onde passasse sempre havia alguém disposto a vê-la vomitando. E sempre em cores diferentes, talvez fosse essa a graça. Fandangos, sucrilhos, azeitonas, ervilhas, tortas de atum, chocolates, fiapos de frango, coisinhas pretas indefiníveis.
Emília de certa forma se conformara. Vomitar fazia parte de sua vida. E lá ia ela fazer a lição do dia no quadro-negro, algum maldito coleguinha gritava, lá do fundo da classe: “bacalhau cru com mamão e queijo!!” e a pequena sebosa: “bléééééé!!” sobre a lousa, empapando seu uniforme, molhando o pequeno giz branco entre seus dedos sebentos e cobrindo seus sapatos novos de lacinho cor-de-rosa com o caldo quente e fedorento, mistura do farto café-da-manhã com o lanche do recreio. A turma ficava extasiada e a professora e mais algumas meninas da frente também vomitavam, enojadas. Emília passava um paninho na boca, enxugava o giz e continuava a lição, como se nada tivesse acontecido.
E assim foi seu dia-a-dia, até que tiveram a horripilante idéia: e se Emília fosse confrontada com o real cardápio de seu nojo supremo? E na escola combinaram, Luizinho levaria o mamão, Maria Joaquina o queijo, e Zuza o japonês se encarregaria do bacalhau cru.
Chegou a hora do recreio. Veio Emília, desceu a escada principal, caminhou pelo pátio, estava indo para a lanchonete, como sempre, e como sempre preparada a escutar as horríveis palavras que a fariam vomitar. Mas então: tchã-rããããm!!, pularam seus coleguinhas à sua frente. Emília não podia acreditar: estavam segurando uma grande fôrma de alumínio com os ingredientes de sua desgraça! E não acreditou, ou não teve tempo, pois sua cabeça explodiu, e seus miolos se espalharam pelo pátio, e seus olhos voaram e deram rodopios no ar, e seus dentes se estilhaçaram contra o vidro da lanchonete, e seus coleguinhas choraram, e traumatizados nunca mais fizeram traquinagem alguma.

FIM

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

MEU CÉREBRO NA PÁGINA 14

Tem números como um calendário de dias úteis, inúteis e festivos. Não requer paciência ou anotações, ele se lembra e esquece quando bem entende.
Um lado do cérebro vigia o outro e me comanda, dita o que fazer e morre de rir quando tudo dá errado.

Quanto mais escrevo, mais entendo e menos arrisco nos dias úteis oitavados e com uma cobertura de nuvem abaixo dos 10%.

Parece que tudo o que se vive é um grande ensaio para o maior festival que ainda está por vir.
Nesse ensaio a gente compete por ser um jogo involuntário e com pitadas do tal instinto pré-destinado que considero como a mais medíocre das desculpas humanas.

ps: Sem capítulo ou introdução porque acho que isso vem depois que a gente escreve o livro todo.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

MINISTÉRIO DA VIDA - CARTEIRA DE HUMANO

Se ela te abraçou é porque precisa de calma.
O roteiro de uma história não terminaria em plena imobilidade durante aquela pausa de respiro solto e frouxo que você deu.

Não suspire, insipre.

A vida precisa de um campo de anotações gerais, daqueles de escrever como agora.
É como se fosse uma carteira de trabalho e previdência social escrita pelos outros.
Sempre tem aquela foto sua que você não tem intimidade e até se desconhece, não queria vê-la ali, mas está, e com um carimbo na cabeça.

Mesmo não perguntandoo espelho fará uma análise dura de você com qualquer luz ambiente que te beneficie ou não. Nada mudará nessa relação do eu comigo e você.

Pausa para um café.

Dúvidas, Reclamações e Sugestões

A vida é um SAC.